A Páscoa chegou. Para uns, é tempo de silêncio e introspecção; para outros, de encontros e celebração. E, para mim, é uma oportunidade de refletir sobre dois aspectos que atravessam a prática paliativa com muita força: a espiritualidade e o luto em datas comemorativas.
Mesmo que você não celebre a Páscoa, dificilmente passa ileso por ela. Porque ela aparece nas ruas, nas casas, nos grupos de família, nos almoços comunitários, nas vitrines.
Hoje, quero falar com você sobre o que ela desperta — e o que nos ensina sobre o cuidado.
O que a Páscoa nos ensina?
A Páscoa é uma data central em diversas tradições religiosas. Para os cristãos, celebra a ressurreição de Jesus e a vitória sobre a morte. No judaísmo, é o Pessach — a travessia do povo hebreu rumo à liberdade. Mesmo entre religiões que não celebram diretamente a Páscoa, o período é marcado por símbolos, rituais e práticas que foram incorporadas à cultura ocidental (como ocorre, por exemplo, no Natal).
A Páscoa é, em sua essência, um rito de passagem. E esse é um conceito fundamental para quem trabalha com Cuidados Paliativos. Atravessar o fim de uma vida é, muitas vezes, atravessar também o invisível: os significados, os vínculos, os medos, a despedida.
Nos Cuidados Paliativos, usamos o conceito de dor total: uma dor que não é apenas física, mas também psicológica, social e espiritual. E é justamente a dor espiritual — muitas vezes silenciosa e negligenciada — que pode tornar todo o restante mais difícil de manejar. É ali que nascem perguntas como: “Por que comigo?”, “O que virá depois?”, “Será que minha vida valeu a pena?”.
Rituais também fazem parte disso. Eles marcam o tempo, estruturam o caos, ajudam a elaborar a perda. Saber reconhecer a importância dos rituais — religiosos ou simbólicos — é tão necessário quanto aliviar a dor física.
A espiritualidade não é um detalhe. É parte do sofrimento — e, portanto, do cuidado. E para abordá-la com seriedade, não basta saber se o paciente tem ou não uma religião. É preciso entender os significados que ele constrói, o que lhe dá paz, o que confere sentido à sua travessia.
Espiritualidade: uma dimensão essencial do cuidado
A espiritualidade, distinta da religiosidade, refere-se à busca de sentido, propósito e conexão com algo maior. No contexto dos Cuidados Paliativos, reconhecer e abordar o sofrimento espiritual é fundamental para proporcionar um cuidado verdadeiramente integral.
Como paliativistas, não precisamos ser especialistas em todas as religiões (embora seja interessante buscar este conhecimento), mas é essencial desenvolver habilidades de escuta ativa, empatia e respeito pelas crenças e valores de cada paciente. A abordagem da espiritualidade pode ser um recurso importante de enfrentamento para pacientes em fim de vida, auxiliando na redução da ansiedade e na melhoria da qualidade de vida.
Existem ferramentas que auxiliam profissionais de saúde a abordar a espiritualidade de forma estruturada, respeitosa e prática. O modelo FICA (Fé, Importância, Comunidade e Abordagem na assistência), por exemplo, é amplamente utilizado para facilitar essa escuta durante a anamnese. Já o DIAMANTE busca atender às necessidades individuais de cada paciente, de forma abrangente e não religiosa. Há ainda o SPIRIT. Esses instrumentos não substituem a escuta sensível, mas ajudam a abrir espaço para conversas que, muitas vezes, o paciente está esperando ter. Incorporá-los à rotina clínica amplia o olhar e fortalece o vínculo, reconhecendo a espiritualidade como parte essencial do cuidado integral.
Investir na formação sobre espiritualidade no cuidado é um passo importante para aprimorar nossa prática e oferecer um suporte mais completo aos pacientes e suas famílias.
O luto nas datas comemorativas
Se a espiritualidade aflora nesses períodos, o luto também. E, para muitos, a Páscoa é um lembrete doloroso da ausência.
📍 A cadeira vazia no almoço.
📍 A tradição que perdeu sentido.
📍 A saudade que aperta mais que o habitual.
O luto não tem data marcada, mas datas comemorativas são catalisadores. Elas escancaram o que falta. E não importa se a morte aconteceu há três semanas ou três anos — essas ocasiões reacendem memórias, desejos, desconfortos.
Em Cuidados Paliativos aprendemos que o luto não começa com a morte: inicia no diagnóstico e é experienciado a cada perda ocorrida na trajetória do paciente. Também o luto não termina após um período de tempo: o luto não tem fim. Quando cuidamos de famílias, antes ou após o falecimento de nossos pacientes, precisamos reconhecer que o sofrimento pode se renovar nesses períodos — e isso é normal.
dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler minhas pílulas paliativas? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilho insights a partir da minha visão e experiência profissional.
💡 A dimensão espiritual do sofrimento pode não ser visível aos olhos, mas é essencial à integralidade do cuidado. Como paliativista, você precisa se aproximar da espiritualidade com respeito e escuta ativa, mesmo que não tenha formação religiosa. E, ao lidar com o luto, lembre-se de que o acolhimento das datas simbólicas pode ser mais terapêutico do que qualquer técnica. Dê nome, dê espaço, dê tempo.
garimpo da cecy 💎
A Cecy é uma avatar paliativa inspirada em Cicely Saunders. Ela está nos e-palis, fala com você no direct do Instagram e aqui traz toda semana avisos e indicações para você ir além.
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Desejo que esta Páscoa seja o que você puder viver: com fé ou silêncio, com saudade ou respiro. Que ela traga o que o seu coração estiver pronto para receber.
Fernanda