Durante muitos anos, hospitais foram o meu endereço profissional. Era onde eu começava e terminava os dias. Onde cuidava, almoçava, aprendia, ensinava, acolhia. Onde eu me sentia em casa. Foram muitas madrugadas, inúmeros plantões, fins-de-semana, feriados e incontáveis pacientes que moldaram a médica que sou.
Essa familiaridade era tamanha que, ao caminhar por qualquer hospital — mesmo os que nunca trabalhei —, algo em mim se ajeita. Como se meus pés soubessem exatamente onde pisar. Há uma linguagem própria nesses espaços: os ruídos dos monitores, o vai e vem dos carrinhos, o murmúrio das equipes, os olhares atentos e os silêncios que dizem muito. Os hospitais têm vida. E, para mim, sempre tiveram significado.
internar: verbo do meu afeto
Desde a residência médica, eu sabia: meu lugar era na internação. Nunca me encantei pelos ambulatórios. Sentia que no hospital a vida acontecia mais de perto. O contato mais contínuo, o trabalho em equipe, a complexidade clínica, os desafios éticos e humanos — tudo isso me nutria. E eu me sentia viva ali.
Mesmo quando as circunstâncias eram difíceis, havia algo de potente na convivência diária com os pacientes e os colegas, nas decisões em grupo, nos aprendizados do cotidiano. Éramos uma comunidade transitória, mas profundamente conectada. Cada enfermaria era uma escola — e eu me sentia parte de algo importante, concreto, transformador.
Mas a vida muda. E desde 2020, estou afastada da assistência direta. A última vez que estive na linha de frente foi na Clínica Florence, um dos lugares mais especiais que ajudei a construir. Desde então, mudei de rota — e mergulhei no universo da educação em saúde.
do hospital para a escola
Nas últimas semanas, tenho voltado aos hospitais, inclusive a uma unidade onde trabalhei e implantei o serviço de Cuidados Paliativos. Não como médica, mas como acompanhante. Vi de novo os corredores que conheço de cor. Ouvi o som dos alarmes, senti o cheiro dos corredores, vi rostos conhecidos. Algo em mim se aquietou. Mas, diferente de antes, não senti saudade da rotina — senti respeito. E a certeza de que meu lugar agora é outro.
Hoje, é na educação em Cuidados Paliativos que me encontro. E mesmo longe da assistência direta, sinto que sigo presente. Com a Oficina Paliativa, por exemplo, oriento colegas na implantação de novos serviços, apoiando o surgimento de novas unidades e o crescimento do alcance dos Cuidados Paliativos. Trago a experiência de quem já vivenciou as dificuldades estruturais, as negociações com gestores, os dilemas clínicos. E isso faz diferença. Com o e-pali, multiplico o saber paliativo. E tudo isso me faz me sentir muito útil.
É curioso perceber como aquilo que foi tão essencial, pode mudar de forma sem perder valor. O hospital já foi meu cenário. Hoje, é minha referência. Não sei se um dia voltarei à linha de frente — talvez sim, talvez não. Mas sei que continuo cuidando. E que sigo inteira, onde estou.
dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler minhas pílulas paliativas? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilho insights a partir da minha visão e experiência profissional.
💡 O lugar onde você começou pode não ser o mesmo onde você vai florescer. E tudo bem. Carreira não é linha reta. É trajetória viva, sensível ao tempo, às escolhas, aos encontros. Se você sente que está mudando, escute com atenção. Você não precisa se prender à ideia de quem achou que seria. Precisa apenas honrar quem é agora. E cuidar, sempre. Seja no leito ou no quadro branco da aula.
garimpo da cecy 💎
A Cecy é uma avatar paliativa inspirada em Cicely Saunders. Ela está nos e-palis, fala com você no direct do Instagram e aqui traz toda semana avisos e indicações para você ir além.
⚙️ A minha mentoria prática para implantação e gestão de serviços em Cuidados Paliativos, a Oficina Paliativa, está com uma vaga aberta. Se você quer estruturar um serviço com qualidade, esse acompanhamento é pra você.
E você? Em que ambiente oferta Cuidados Paliativos hoje?
Me conte nos comentários.
Fernanda
“O lugar onde você começou pode não ser o mesmo onde você vai florescer”.
Que bonito ♥️