Na última sexta-feira, fizemos algo que temos o hábito de fazer em família: assistir a um filme juntos. A escolha da vez foi O Preço do Amanhã, uma ficção científica estrelada por Justin Timberlake. Não sou a maior fã do gênero, confesso, mas o filme é divertido — e, mais do que isso, provoca reflexões que merecem ser aprofundadas.
A premissa é instigante: em um futuro distópico, o tempo virou a moeda de troca. É possível doá-lo e recebê-lo. As pessoas param de envelhecer aos 25 anos, e a partir daí, precisam "ganhar tempo" para continuar vivas. Trabalhar, negociar, roubar ou herdar minutos, horas, anos para alimentar o relógio em seu braço que, se zerado, significa sua morte. Cada café custa alguns minutos. Cada dia vivido é uma batalha contra o fim do tempo disponível - para alguns.
Apesar de fantasiosa, a lógica do filme não está tão distante da nossa realidade.
o tempo como dinheiro
No filme, o tempo é literalmente o dinheiro. Mas… e na vida real? Será assim tão diferente?
Lembro de um curso de finanças que fiz no início da minha vida profissional. Uma das orientações era calcular o preço das coisas com base na quantidade de horas que eu precisava trabalhar para comprá-las. Aquilo me impactou. Comecei a enxergar não apenas o valor monetário das coisas — mas o valor temporal. “Essa blusa custa 5 horas da minha vida.” “Esse jantar equivale a meio plantão.”
Desde então, nunca mais olhei o consumo do mesmo jeito. Porque, no fundo, estamos sempre negociando tempo. Trabalhamos para ter dinheiro — mas também para ter tempo livre. É um paradoxo. Em geral, abrimos mão de tempo (com a família, com o descanso, com os próprios pensamentos) para “ganhar” as coisas que necessitamos e desejamos. É claro que o tempo dedicado ao trabalho tem valor intrínseco, independente do dinheiro ganho e aqui não quero ser reducionista. Apenas fazer um recorte para refletir sobre esta troca: alguém doa seu tempo e recebe dinheiro em troca. Se isso pudesse ser feito de forma direta, você trocaria?
As reflexões sobre o tempo permeiam os Cuidados Paliativos. A quantidade de tempo versus o tempo com qualidade, o tempo significativo, o tempo que se vive com presença. Por que a doença necessita chegar para trazer clareza sobre o valor do nosso tempo?
tempo infinito
O filme tem muitas camadas de reflexão, incluindo o etarismo. Em O Preço do Amanhã, as pessoas param de envelhecer aos 25 anos, mesmo quando já viveram mais de 100 — uma crítica direta ao culto à juventude que atravessa silenciosamente nossa sociedade. Mães, pais, avós, todos são jovens adultos. A ausência de rugas e cabelos brancos no universo do filme revela mais do que um enredo futurista: expõe o desconforto coletivo com o envelhecimento e o apagamento simbólico das pessoas mais velhas.
Mas hoje quero dar foco a uma das questões mais provocativas do filme para mim, que é: o que aconteceria se você pudesse viver para sempre?
A promessa de tempo infinito parece tentadora — mas, sem a presença da morte, o que nos faria escolher com sabedoria? O que nos faria priorizar, amar, ousar, decidir?
Nosso olhar paliativo sobre a vida nos ensina justamente o oposto: é a finitude que organiza o sentido. Quando o tempo tem fim, ele se torna mais precioso. Quando sabemos que a vida escorre — como areia entre os dedos — aprendemos a valorizar o agora.
Viver sem o tic tac do relógio parece libertador, mas pode ser também paralisante. Afinal, é o limite que impulsiona o movimento. A pergunta que o filme levanta, e que carrego comigo, é: o que eu faria diferente se soubesse o tempo que me resta estampado em um relógio no braço? E por que espero saber, para viver?
dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler minhas pílulas paliativas? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilho insights a partir da minha visão e experiência profissional.
💡 Se você trabalha com saúde, ou simplesmente deseja viver com mais propósito, sugiro um exercício simples e poderoso: escolha um objeto que você deseja muito comprar ou uma experiência que você gostaria de ter. Agora, calcule quantas horas de trabalho isso custa. Depois, pergunte-se: vale esse tempo da minha vida? Muitas vezes, entender o valor do tempo é o primeiro passo para reorganizar prioridades.
garimpo da cecy 💎
A Cecy é uma avatar paliativa inspirada em Cicely Saunders. Ela está nos e-palis, fala com você no direct do Instagram e aqui traz toda semana avisos e indicações para você ir além.
🎬 O Preço do Amanhã (In Time) é um filme de ficção científica provocador, dirigido por Andrew Niccol, que transforma o tempo em moeda. Disponível na Disney+.
📚 Sobre a brevidade da vida, de Sêneca – Uma leitura clássica que nos convida a refletir sobre o desperdício de tempo e o valor de uma vida bem vivida.
📚 As intermitências da morte, de José Saramago – E se a morte deixasse de existir? Uma obra literária que brinca com essa hipótese e nos leva a profundas reflexões.
Até domingo que vem, com mais uma provocação paliativa,
Fernanda