Na última quinta-feira, fiz minha primeira mamografia. Um exame de rotina, esperado, necessário — mas que carrega camadas muito mais profundas do que o laudo poderá registrar. Fui tranquila, ciente da importância, sem angústias desmedidas. Mas, sim, com medo.
Tenho aprendido a reconhecer o medo sem deixá-lo me paralisar. A me observar com mais gentileza. E, acima de tudo, a permitir que esses momentos aparentemente comuns — um exame, uma consulta, um resultado — sejam oportunidades de encontro comigo mesma.
quando o cuidado encontra a consciência
Tenho falado cada vez mais sobre auto-observação. Não aquela que busca falhas, mas a que oferece presença. A capacidade de perceber o que se passa dentro de mim — sensações físicas, emoções, pensamentos — sem julgamento. Não é fácil. Requer prática, entrega e, muitas vezes, coragem para encarar aquilo que evitamos nomear.
A autoconsciência é uma das ferramentas mais potentes que carrego comigo — e cuja construção exige de mim envolvimento ativo e constante. Ela me ajuda a identificar angústias antes que elas se transformem em sintomas. A perceber padrões, pausas e repetições no corpo e na mente. A dar nome ao que sinto. A pedir ajuda quando preciso. E, principalmente, a seguir adiante, mesmo quando o futuro me escapa, mesmo quando tudo parece incerto.
Fazer minha primeira mamografia me lembrou disso de forma intensa. Cuidar do corpo é, sim, um ato técnico — mas é também um gesto simbólico. É como dizer a si mesma: “Eu me importo”. E ao mesmo tempo em que reconheço a importância de me cuidar, também reconheço a apreensão que me visita.
Prevenir não é evitar o medo, mas encará-lo com lucidez. É atravessar a dúvida com responsabilidade. É olhar o espelho e se perguntar: estou me cuidando ou apenas apagando incêndios? Estou ouvindo meu corpo ou apenas calando sintomas?
Aprendi que viver bem exige atenção às mínimas manifestações de desconforto ou dúvida — sejam físicas, psíquicas ou espirituais. Viver bem exige presença. E presença, nesse caso, começa com um gesto simples: observar-se.
a memória de Cris
Coincidentemente (ou não), fiz minha primeira mamografia no mesmo dia em que, há exatos cinco anos, minha amiga Cris morreu, vítima de um câncer de mama. Só me dei conta disso quando cheguei em casa, ao fim do dia. E então tudo ganhou outra dimensão.
Cris foi minha última paciente em assistência direta, antes de uma virada de chave definitiva — da prática clínica para a gestão e para a educação em Cuidados Paliativos. Seu processo, seu adeus, marcaram o fim de um ciclo profissional e pessoal. Um ciclo profundo, triste e também muito bonito. Um rito de passagem silencioso, que me atravessou inteira — marcou meu corpo, minha alma, minha trajetória.
Na última quinta-feira, o simbolismo desse dia se repetiu — mas com outras cores. Fui ao centro de diagnóstico, mas não como médica ou acompanhante. Fui como paciente. Minha filha de 6 anos me acompanhava. Me senti cuidando de mim mesma e fui gentilmente tratada pela equipe da unidade. Essa mudança de papel é sempre um lembrete: o corpo que cuida também adoece. E todo saber técnico se curva diante da vulnerabilidade da própria pele.
Foi uma experiência íntima. Um convite à consciência do tempo que passa, do corpo que envelhece, da finitude que nos acompanha.
Em reflexão, mais do que uma coincidência de datas, senti a confirmação de que o cuidado com os outros só faz sentido se for compatível com o cuidado de si. A entrega verdadeira ao cuidado não é possível sem o reconhecimento da própria fragilidade.
dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler minhas pílulas paliativas? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilho insights a partir da minha visão e experiência profissional.
💡 O medo, quando observado com consciência, pode ser um aliado. Ele mostra o que importa. Nos convida à ação. E quando acolhido com cuidado, transforma-se em coragem. Agir apesar do medo é sinal de maturidade — na vida, no cuidado e na prática clínica.
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Até próximo domingo,
Fernanda